segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Birosca


Ponho o lápis no papel e espero que as idéias fluam. Doce ilusão! Faz semanas que não escrevo uma só parágrafo. Tolice minha ficar encarando esta folha. O que será de um escritor sem inspiração como eu?
Levanto-me e jogo o caderno e o lápis dentro da minha velha e surrada mochila. Deixo a mesa desarrumada, assim como ficou a semana inteira. Sobre ela um prato com um pedaço de pizza frio e meio comido, uma xícara com café frio e uma montanha de papéis amassados. Engraçado a facilidade com que as idéias viram bolinhas de papel… Parto então para o bar do Flori.
Floriano é um cara bacana. Deve ter uns oitenta e tantos anos. O pouco cabelo que lhe resta é branco como algodão, seus olhos são acinzentados e sua pele é pálida e fina, como se tivesse sido esticada sobre o seus ossos. Apesar da idade o homem trabalha todos os dias, faça chuva ou faça sol,  sem nunca tirar aquele sorriso largo e amigável do rosto. Acho que o conheço desde sempre.
O bar do Floriano, a “Birosca”, é um lugarzinho calmo e bem localizado, no centro da cidade. Além de ficar a apenas dois quarteirões do meu apartamento. O velho abriu o lugar na década de quarenta e mantém a decoração original: paredes verdes, tolhas-de-mesa de xadrez, mesas e bancos de ferro. Mesmo sendo bastante conhecida, a Birosca é frequentada apenas por um seleto grupo de intelectuais e escritores fracassados, como eu.
Sento à mesa de sempre e tiro o caderno da mochila. Já com o lápis em punho, me ponho a encarar novamente a folha em branco. Ela me propõe um desafio em que eu sei que fracassarei: escreva! Maldigo minha sorte, levanto a cabeça e grito:
- Flori, meu velho, desce uma cerveja que hoje tá foda!
E lá vem o velho com uma garrafa de cerveja e dois copos. Suas mãos tremem, deve ser a idade. Ainda assim o sorriso não abandona o seu rosto, como se ele estivesse prestes a explodir em uma grande gargalhada. Põe os copos na mesa, abre a garrafa com o próprio anel e diz:
- Por minha conta, Alemão. Isso, é claro, se me deixar  que te acompanhe.
Odiava quando me chamavam de alemão. Eu nem era loiro, porra! Mas como eu estava seco por uma cerveja gelada, ainda mais de graça, concordei.
Floriano sentou-se do meu lado e me encarou por alguns segundos. Bebemos um pouco, falamos de futebosl e de mulheres. Nesse ponto o sorriso do velho vacila. Ele suspira e seus olhos ficam marejados. Perfeitamente compreensível, já que sua mulher morrera alguns anos atrás.
Aliás, que morte ridícula! Morreu asfixiada, engasgada com um caroço de azeitona. Era uma boa mulher, pena que não bebia. Todas as noites depois de fechar o bar, se sentava ao balcão, como o marido. Ele preparava um martini, tomava o drink e dava as azeitonas para a esposa chupar. Acho que concordamos que ela teria se saído melhor se bebesse a porcaria do martini e deixasse as azeitonas de lado.
- Amélia, minha querida… – suspirava Flori – Amélia era que era mulher de verdade!
A história dos dois até que era interessante. O pai de Amélia era dono da metade da cidade. Um dos homens mais ricos do Brasil, nos anos quarenta. Ele não gostava nada que a filha namorasse com um rapaz humilde como Floriano. Então os dois casaram sem o concentimento do figurão e fugiram.  O homem  resolveu caçar Flori por todos os lugares, decidido a acabar com a vida do perrapado. No último momento, porém, comoveu-se com o amor que a filha sentia pelo rapaz, que a fez se interpor entre o ele, armado, e o marido. Sendo assim, abençoou a união. Apesar disso, o único bem do ricaço herdado por sua filha foi o sobrado de dois andares que viria a se tornar a Birosca.
Várias vezes tentara convencer o Flori de deixar-me escrever tal história, mas ele dizia que aquilo envolvia pessoas importantes demais e que poderia ser perigoso. Eu duvidava  que qualquer um que tivesse se envolvido nesse episódio, exceto pelo próprio Floriano, estivesse vivo. Pela amizade que tinha com ele, respeitei a sua vontade.
Terminei a cerveja, me despedi do velho e fui-me embora. Andei todo o caminho até minha casa cabisbaixo e chutando, aqui e ali, pedrinhas que apareciam no meu caminho.  O tempo inteiro maldisse a minha sorte: ter uma história como aquela nas mãos e sofrer por não ter o que escrever.
Maldita falta de inspiração!

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