quinta-feira, 13 de junho de 2013

A Maldição da Deusa (Parte 1)

Era a primeira vez que eu ia àquela livraria. Todos os dias, a caminho do trabalho, via a placa tosca e apagada que dizia “Livros Raros”, mas nunca entrara no local. Era uma lojinha pequena e a vitrine abarrotada de volumes grossos e de aparência antiga atiçavam a minha curiosidade, porém eu estava sempre atrasada ou com pressa para resolver algum assunto.
Sou, ou pelo menos era, analista de sistemas em uma empresa em Manhattan. Minha cabeça, na maior parte do tempo, está ocupada com o cálculo de alguma derivada ou algo assim. Minha verdadeira paixão, no entanto, são os livros. Todos: qualquer tamanho, cor ou assunto. Morria de vontade de entrar naquela loja e passar a tarde inteira fuçando cada volume, mas meu trabalho nunca me permitia o luxo de uma tarde de folga. No único dia que eu não trabalhava, domingo, a pequena lojinha se encontrava fechada e não havia nenhuma indicação para contato.
Bom, agora eu não teria problema com isso, já que fora despedida. Meu chefe não me deu muitas explicações, disse apenas que a empresa estava precisando fazer uns cortes no pessoal e que ele tinha de decidir quem deveria ser demitido. Não sei por que ele me escolheu, talvez porque eu nunca aceitei ficar depois do trabalho para fazer “hora extra” em seu escritório. Enfim… Não valia a pena pensar sobre isso. Ele ficariam loucos sem mim, aposto.
Ao entrar na lojinha, em um primeiro momento, imaginei que estivesse sozinha. Vasculhei algumas estantes, mas, aparentemente, a maioria dos volumes não estavam escritos em inglês, mas em uma língua muito estranha, cheia de símbolos. Decidi ir mais ao fundo da loja, procurando algo que eu conseguisse ler. Foi nesse instante que uma velhinha saiu dos fundos da livraria trazendo uma pilha enorme de livros nos braços. Ela parecia ter dificuldade de andar e seus braços eram tão finos que eu me perguntei como ela conseguia carregar tudo aquilo. Corri para ajudá-la, tomando parte dos livros.
A senhora me agradeceu com um sorriso. Eu preferiria que ela não tivesse feito isso. O seu rosto era murcho, o cabelo sujo e um de seu olhos era opaco e parecia não mais ver. Quando ela sorriu para mim sua imagem só piorou: havia um único dente em sua boca, escurecido e prestes a cair. Não sabia quantos anos a mulher tinha, mas a cada segundo ela parecia mais velha e encarquilhada.
Quando ela falou comigo me surpreendi novamente:
- O que procura, querida?
Sua voz era doce e melodiosa, não parecia a voz de alguém idoso, mas uma pessoa muito mais jovem. Fiquei em silêncio por algum tempo e, quando a senhora repetiu a pergunta, balbuciei:
- Hum… Não estou procurando um livro especificamente, só queria encontrar algum em inglês, mas parece que aqui não tem nenhum.
A velha sorriu mais uma vez, exibindo seu único dente. Pegou na minha mão e me arrastou para os fundos da loja. Enquanto me guiava, me explicou:
- Aqui tem muitos livros raros, querida. A maioria está escrita em céltico, tócario e frígio, mas acredito que possamos encontrar alguns volumes em inglês. Acho que sei qual o livro perfeito para você… Ande, ande! Está bem aqui…
A mulher tirou um volume bem pequeno debaixo de uma grande pilha e me mostrou. Sem dúvida era bem antigo. A capa era de um material que eu não conseguia definir. Couro, talvez. Havia vários daqueles símbolos estranhos na capa, mas o título estava em inglês e parecia bordado em ouro.
- “The Tales of Danu” – li – Os contos de Danu. Sobre o que fala esse livro?
Para meu desagrado, a senhora voltou a sorrir:
- São algumas lendas dos povos bárbaro. Contos de amor, romance e, se você gosta de histórias de fantasma, terror.
Ela falou aquilo de uma maneira que, mesmo sua voz doce, soou maliciosa aos meus ouvidos. Observei mais uma vez o volume em minhas mãos, parecia ser caro, mas eu não sairia daquele lugar de mãos abanando.
- Vou levar, quanto custa?
- Ah, querida, – suspirou a velha – esse livro não tem preço. É muito raro, herança de família… Mas como eu vejo que você se interessou muito por ele, eu posso dá-lo… Uma velha como eu, sem filhos, não poderia levar uma preciosidade dessas para o túmulo…
Olhei para a mulher desconfiada, depois para o livro. Balancei a cabeça e disse:
- Fico muito grata, mas não posso aceitar. Se isso é tão valioso quanto a senhora diz, eu não levá-lo de graça, muito menos comprá-lo.
- Ora, vamos! Aceite! Você foi despedida hoje, merece algo que lhe anime.
- Bem, se é assim… Espere, como a senhora sabe que fui despedida? Eu não falei nada sobre isso.
A velha teve um acesso de tosse, depois respondeu:
- Apenas o palpite de uma pessoa mais experiente. Vejo você passar por aqui todos os dias, olhar pela vitrine e nunca entrar na loja. Imaginei ai vê-la na loja que, pela sua carinha triste, tivesse perdido o emprego. Acertei, não? Vamos, aceite o presente de uma pobre velha.

Sorri, meio sem jeito, e aceitei o livro. Ao sair da loja escutei um barulho que parecia a mistura de um grito agudo e uma gargalhada.

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