A noite estava silenciosa. Parei por um instante e, antes de
subir os degraus, dei uma boa olhada na casa. Sem dúvida era velha. Fora
construída há muito tempo por uma família riquíssima, mas à décadas que estava
completamente abandonada.
A hera tomara conta das imponentes colunas, os degraus
estavam esverdeados pelo musgo e a porta já não passava de um pedaço de madeira
podre e enegrecida. Já não restava mais nada da pintura original, mas ainda era
bela. A casa não pertencia a ninguém e, ao mesmo tempo, pertencia a todos. Para
as crianças era um território novo a ser explorado. Os adultos tomavam a
construção como um adorno da paisagem. Já os velhos viam na casa um símbolo de
força e resistência. Era um lugar em que os sentidos se confundiam, onde a
razão se tornava emoção. Foi lá que nos conhecemos, eu e Mia.
Estava sentado na janela do casarão lendo um livro que
pegara na biblioteca municipal. Era uma peça de Shakespeare, eu acho. Lia e
relia o trecho onde a garota, ajoelhada ao lado de seu amado, apunhalava-se
para acompanha-lo na morte. Não conseguia acreditar que alguém pudesse amar uma outra pessoa ao ponto de se
matar. Me parecia improvável.
“Quanta bobagem…” resmunguei para mim mesmo.
De repente escutei uma voz ao meu lado perguntar:
“É realmente bobagem querer ficar com aquele que ama?”
O susto foi tão grande que eu virei de costas e cai da
janela. Fiquei atordoado por alguns segundos e quando finalmente consegui me
levantar vi uma garota encostada em uma coluna, rindo de mim. Ela era magricela
e cheia de sardas. Seus cabelos negros estavam presos em um rabo de cavalo que
saia pela parte de trás de seu boné vermelho.
Contudo, seus olhos eram o que ela tinha de mais belo. Eram da cor de
caramelo e estavam cheios de luz e alegria.
Logo nos tornamos amigos inseparáveis. Estávamos sempre
juntos e gastávamos a maior parte do nosso tempo na casa. Estudávamos em escolas diferentes, mas
passávamos a tarde inteira na companhia um do outro. Não demorou muito tempo
para que nossa amizade se tornasse algo mais forte. Nós sabíamos que isso iria
acontecer e não fizemos nada para evitar. Antes tivéssemos feito…
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